Eu tive a oportunidade de estar com um dos grandes sociólogos do país quando estive numa reunião do partido PSOL. Não quero mencionar o nome do sociólogo e talvez não seja correto chamá-lo de sociólogo. De qualquer maneira, como educadora, perguntei a ele suas impressões sinceras sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente - já deixando claro que eu, pessoalmente acho que o Estatuto, do jeito que está, é um tiro no pé desse país. Ele riu e disse que eu não sou a única, mas que era a favor do Estatuto. Ele, com pouco tempo para conversar, sugeriu que eu visse o filme "Entre os Muros da Escola" - título original "Entre Les Murs", ou "The Class", título em Inglês, muito mais fácil de achar (
cof!... baixar
...cof! cof!).
Isso já me aconteceu na classe dominical quando era adolescente. Eu tinha uma situação em que meus pais estavam
totalmente errados - SIM, ISSO ACONTECE!- e o professor, ao invés de dar um conselho qualquer, me mandou ler um livro. O raio do livro era chato pra burro, mas muuuuito chato e tinha mais perguntas do que respostas. Para uma adolescente confusa e revoltada, isso não ajudava muito. Pois lá estava eu com uma revolta adolescente contra meus alunos e todo o sistema que coloca a faca e o queijo na mão deles, e o cara me manda ver um filme francês! Primeiro, o troço é difícil de achar. Depois o troço é chato de ver. Em terceiro lugar, quando eu descobrisse que essa dica não adiantou PICAS o infeliz já estaria longe de mim e não teria que explicar nada!
Senhor Martin, tirando leite de pedra.
Bom, eu não estaria fazendo um post se o filme fosse realmente uma total perda de tempo. O livro em que o filme se baseou, assim como a peça, foi escrito pelo ator principal, François Bégaudeau. A atuação do cara só não é mais fantástica do que a dos alunos, que se mostram demônios que eu não hesitaria em matar em nem um minuto. Vale a pena, mas é preciso ver preparado. O filme começa muuuuito devagar e não parece dizer a que veio. De qualquer jeito, vai aí o link:
http://atercapartedocinema.blogspot.com/2011/08/download-entre-os-muros-da-escola-2007.html
Mais problemas que soluções e mais perguntas que respostas. É um filme, não um tutorial.
É preciso ver preparado, assim como é preciso ir preparado para uma conversa com um sociólogo ou para uma reunião de partido político. A primeira coisa que é preciso saber é que ninguém está a fim de resolver assunto nenhum
coisa nenhuma. Se o assunto for resolvido essa gente tem medo de perder o raio do emprego. Da mesma maneira que o personagem Diogo Fraga, de Tropa de Elite 2, fala da inutilidade de se mandar pessoas para a cadeia na tentativa de trazer alguma ordem ao país, os sociólogos e pedagogos continuam atestando que punição não leva a lugar nenhum. Eu sou uma prova disso - eu SEI que os alunos que sofreram punições não melhoraram em NADA. Mas eu também sou testemunha de que
NÃO PUNIR ADIANTOU MUITO MENOS.
Foto de turma comportada. Só no passado.
Tive um encontro com alguns de meus antigos alunos, todos muito adorados, muito carinhosos, que me mostrou mais ou menos a inutilidade de dar nó em um pingo d'água. Um dos mais indisciplinados e brilhantes alunos que eu já tive estava lá - eu cito o nome dele se ele quiser, mas eu duvido que ele vai querer - e eu não o reconheci. Precisei ser convencida de que o esquálido adolescente que eu tanto belisquei quanto abracei e beijei se tornou um esquálido homem barbudo com uma namorada lindíssima. A primeira coisa que ele me lembrou foi de quanto eu o
traumatizei - isso foi dito em tom de brincadeira.
Outro que foi um aluno difícil. Quer ser como ele? Invente a Teoria da Relatividade e aí eu penso no teu caso!
Mas o ditado italiano que diz que "é brincando que se diz a verdade" não poderia ser mais verdadeiro. Ele lembrou de um caso medonho de um aluno que enrolou a classe inteira e não desenhou nada. Ao cobrar um simples rabisco dele, o aluno me disse que estava deprimido porque seu coelhinho havia morrido no dia anterior. Eu teria perguntado o que
"o
coelho tinha a ver com as calças". Meu esquálido e adulto aluno continuou lembrando o quanto aquilo o traumatizou e o quanto eu fui cruel com uma pobre criança de treze anos. Mais tarde ele lembrou das muitas vezes em que esse aluno interrompeu a aula desesperadamente tentando parecer o mais idiota e inepto possível. Eu me lembrei muito bem que o rapaz se vangloriava de não conseguir desenhar um círculo com um copo e o quanto ele se revoltou comigo quando eu mostrei que
ATÉ ELE conseguiria desenhar seguindo a técnica e arrastando o raio do lápis no papel. Bom, lá vai o exemplo que eu não queria dar:
- Senhores, aí estão os passos para desenhar a mão, não sem dificuldade - porque é uma parte da anatomia chata mesmo -, mas com alguma chance de sucesso. Comecem estudando os dedos e a diferença entre eles. Comecem por um cilindro, como está no quadro para vocês copiarem. Temos aí três estágios para um dedo convincente, com unha e tudo. Basta copiar.
Mala - Professora! Por qual mão eu começo?
- A que você se sentir mais confortável copiando. Se você for destro, não acho que vai conseguir copiar a mão direita enquanto desenha. Talvez seja melhor copiar o esquema aqui do quadro.
Mala - Tá... (cinco segundos) Professora! Por qual lado da mão eu começo?
- Qual lado...?
Mala - É! O de dentro ou o de fora?
- Sempre o de fora, onde existe pele. Não vire sua mão pelo avesso... Tudo bem eu entendi: você se refere à palma ou às costas de sua mão. Faz o seguinte: copia daqui, querido! Vai por mim, você não é do tipo que anda melhor sozinho. Copia, vai!
Mala - Tá... (oito segundos) Professora, por qual dedo eu começo?
- Classe, uma resposta para o coleguinha, por favor. (meio segundo) Obrigado! Se eu fizer esse gesto estou na rua.
Por que EU tenho que carregar isso?!
Como vocês podem ver, eu frequentemente coloco alunos em situações desconfortáveis. Vão chupar um prego os que querem jogar pedras em mim. Duas informações: não dou aula para monstros com menos de doze anos e não sou mais cruel do que eles mesmos são na hora do recreio. Se você dá um mole desses no meio dos seus coleguinhas sacanas, como todo pré-adolescente é, você vai ser sacaneado por uma semana! O que eu nunca abri mão de fazer é controlar a sacanagem em sala. Ela VAI ACONTECER. Mas o xerife da sala sou EU! Eu não posso evitá-la, mas posso controlá-la. Eu não posso evitar que adolescentes entre doze e dezessete anos tenham um comportamento deplorável, mas posso mostrar a eles que eles não têm bala na agulha para competir COMIGO. Não sou amiga, não sou a mamãe, não sou auxiliadora - sou a professora e mando na droga da sala!
Você vai deixar essa cara de santo te convencer?!
Só que estou em uma posição ao mesmo tempo privilegiada e desvantajosa: sou professora de cursos particulares, onde o aluno ESCOLHEU entrar. Ele QUER APRENDER a desenhar o mangá, o quadrinho, o super-herói dele. Não é por isso que eu vou tratar meu trabalho como se fosse creche, mesmo porque não é! Alguns de meus alunos são excelentes profissionais porque levaram a coisa a sério desde os doze anos. Eu levo o aluno a sério - o que não quer dizer que eu vá me sacrificar por ele. Infelizmente eu já disse isso para meus professores também: EU NÃO QUERO O AMOR DE NINGUÉM DA SALA DE AULA. Eu tenho minha família, meu cachorro, meus amigos para me amar. Estou na sala para ensinar ou aprender. E NÃO CABE AO ALUNO ESCOLHER O QUE DEVE APRENDER OU NÃO. Por quê? PORQUE ESSE ANIMAL AINDA NÃO APRENDEU PARA SABER SE O TROÇO É VÁLIDO OU NÃO - e eu não conheço adolescente nenhum que entenda que todo conhecimento agrega valor. Nenhum!
Sem comentários...
Minha posição é privilegiada porque eu posso jogar isso na cara dos fariseus: você está aqui porque quer aprender, seu cretino. Por que cargas d'água você está se esforçando tanto para
não aprender? Na escola o professor não tem como dizer isso. Os pais obrigaram o imundo a estar ali para que ele tenha algum tipo de futuro. Por outro lado eu estou em desvantagem porque os cursos PRECISAM DO DINHEIRO do aluno. Bom, essa desvantagem os professores de colégios particulares também tem. Os professores de colégios públicos não têm essa desvantagem, mas quando se trata de desvantagem, ninguém aí vai querer concorrer com professor do ensino público, né? Tem dó!
ISSO é bullying. Se você é um Emo e alguém te chama de Emo, não é bullying! É a VIDA!
Eu aprendi e continuo fazendo o possível para aprender mais sobre técnicas para incitar a curiosidade no aluno. Nenhum conhecimento foi bem recebido sem que o terreno fosse preparado pela curiosidade. Quando o aluno não se interessa por nada, a culpa é do professor... VAI LAMBER SABÃO!!! Então ele está apático porque a aula está chata. Quer experimentar algo chato? Tente trabalhar num balcão por um salário mínimo porque seu currículo não preenche nem um post-it. Ele não está interessado porque sofre
bullying. O pobrezinho não tem amigos. A culpa é da classe e do mundo. Tá legal! Vamos ver como o mundo vai tratar essa vítima se ele não se virar rapidinho. Woody Allen, Chris Rock, Tom Cruise, Noel Rosa, Toulouse Lautrec tiraram o talento justamente das adversidades. Uma coisa é ter marginais no colégio e ninguém fazer nada contra eles porque "não adianta punir, é preciso compreender". Outra coisa é glorificar o aluno que não faz esforço para aturar normas de sociedade que são um saco, mas que vão te perseguir a vida inteira.
Isso não é um exemplo a ser seguido. Ele nem é de verdade! Ninguém é amarelo-ocre!!!
Quer saber? Esse aluno já cresceu e está cheio de filhos. O Brasil está cheio de gente que exige seus direitos dizendo que paga seus impostos e cuida de seus filhos. Em primeiro lugar, você não paga os impostos - o governo TIRA O DINHEIRO do seu salário antes que você tenha a chance de saber o que é que está acontecendo. Ao comprar uma mercadoria, ninguém pergunta se você quer pagar a porcaria com ou sem impostos. Quanto a cuidar dos próprios filhos, apesar da maioria dos pais de alunos que eu conheço nem pensar em fazer uma coisa dessas, quem foi que TEVE OS FILHOS, seu prego?! O que é que você quer? Uma bala juquinha de recompensa? É isso que faz de você um cidadão decente? Pagar impostos e cuidar dos próprios filhos? Tenta não votar no Tiririca e jogar o lixo na lixeira para variar, palhaço!
Eu já cansei de falar com pedagogos, sociólogos e coordenadores. Meu papo é com os alunos.
- Meus queridos, eu NÃO GOSTO de vocês. Eu tenho minha vida. Ocasionalmente alguns de vocês me fazem sentir que meu trabalho está sendo bem feito, mas eu não conto com vocês para me mostrar isso. Eu conto comigo mesma. Eu me aperfeiçoo o máximo que eu posso. Tá bom, alguns de nós ficam um pouco mais sentimentais e acabam reservando um lugar no coração para a classe. Mas fiquem sabendo que eu me dedico aos alunos que eu detesto da mesma maneira que me dedico aos amados - esse é o meu trabalho, não é minha vida pessoal.
- Não há nada que seus coleguinhas vão fazer no colégio que seja pior do que o seu chefe vai fazer com você. Se você acha que ser chamado de gordo, mané, emo ou baranga dói, espere só até você crescer. Você vai continuar sendo chamado assim por motoristas de ônibus, pivetes e gente que não sabe nem ler, nem FALAR e ainda vai passar batido por isso porque está atrasado para o trabalho. Ser gordo, feio ou disfuncional é muito melhor do que ser um DESEMPREGADO!
- Se você conseguir passar pela adolescência, você consegue passar por qualquer coisa! Quem diz que essa época é dourada esta MENTINDO NA SUA CARA! É uma época medonha em que você não faz a menor ideia do quanto você é lindo e quanto potencial você tem. Não adianta gritar isso na sua cara, você não vai acreditar.
- Outros professores podem acreditar na sua inocência, mas titia Patrícia não nasceu ontem. Eu SEI que você torce tudo o que eu digo e diz para o seu pai que eu falei que você nunca vai ser nada na vida quando o que eu disse foi "Continue assim e você não vai ser nada na vida". Você contou a coisa do jeito que contou porque quer continuar assim. Pois é. Na minha sala NÃO.
- EU SEI que você não está com sono porque minha aula está chata. EU TAMBÉM SEI a diferença entre o infeliz que jogou Playstation a noite toda e o dois de paus que está cheio de fumaça nas ideias. É só uma questão de tempo para eu chamar seus pais e pedir que eles não deixem você fumar maconha antes da aula, só depois. Eu posso falar isso em sala a qualquer momento, também. Por favor, fume seu baseado nojento e fedido DEPOIS da aula.
- Não tente disputar quem é a bruaca mais bruaca. Estou enfrentando o seu tipo capa de revista, perfume demais, cabeleireiro toda semana desde a segunda série do primeiro grau. Isso significa dez anos de idade no vocabulário do século passado. Não tinha choradeira de bullying no meu tempo e eu aprendi a lidar com seu tipo debaixo de porrada e muita humilhação. Meu olhar de desprezo é melhor que o seu porque não há inveja nenhuma nele, nem pena, nem mesmo inveja da sua juventude. Todas as miss universo minha sala estão com cinco filhos e moram mal - porque casaram com um pobretão antes de fazer vinte anos e dois meses antes de dar a luz. Meu olhar de desprezo é legítimo, um pouco traumatizado, mas legítimo. Eu desprezo VOCÊ. Às bruacas do meu tempo eu agradeço. Graças a elas eu passei o recreio na biblioteca e não escrevo andar térrio e indentidade em meios de comunicação em massa.
Sem querer estragar o filme para ninguém, eu estou de saco cheio da noção de que não há solução para uma geração perdida que só cobra e nem cogita dar nada em troca. Eu NÃO VOU cogitar mudar o SISTEMA TODO antes de exigir mais dos meus alunos. Eu não vou aceitar que a juventude do Brasil só vai melhorar quando TODOS OS OUTROS PROBLEMAS forem resolvidos. Eu quero vocês bonitinhos e respeitosos apesar do sistema que convida, pede, IMPLORA para que vocês se tornem inúteis sem espinha e sem cérebro - incapazes de tomar uma decisão racional e capazes de anular todas as vantagens de se ter uma sociedade democrática.
Procure saber como foi a juventude das pessoas mais bem sucedidas do mundo. A maioria delas perdoou o passado, engoliu o orgulho ferido e acreditou em si mesmo quando ninguém mais fez isso. Deixe as muletas para quem realmente precisa delas. Essas pessoas podem vencer qualquer maratona contra as vítimas da sociedade, sabia? Justamente por precisar de muletas, elas descobrem como as desvantagens fortalecem o espírito.
Se o cara nasceu assim, o que é que se pode fazer?
Quanto aos meus alunos, não se pode ganhar todas. Raios, eu não ganho nem a metade. Saí cedo do encontro com meus alunos porque eles resolveram misturar uísque ruim com vinho seco e cerveja boa. Eles são maiores de idade, mas mesmo assim levaram o próprio uísque para um bar. Meu amado esquálido barbudo e traumatizado quase foi atropelado no caminho para casa e a namorada quase vai junto. Eu bem tive vontade de ligar para ele e exigir uma composição sobre os valores da moderação e a imbecilidade de tentar manter uma conversa em um bar com música ao vivo, mas deixei para lá. Agora danou-se tudo.
Bom... problema dele!